Os gestores do trânsito no Brasil continuam a dar mostras de que a segurança nas ruas e estradas do país depende de interesses políticos. O Diário Oficial da União trouxe nesta quinta-feira (10) a publicação da suspensão, por um ano, da resolução 563 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estava em vigor desde 1.º de janeiro deste ano e exigia a instalação de dispositivo de segurança em caminhões basculantes para evitar o acionamento da caçamba enquanto o veículo estivesse em movimento.
No final da tarde de quarta-feira (09), o deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS) já comemorava a decisão antecipadamente, após encontro pessoal com o diretor-geral do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Maurício José Alves Pereira. Em sua página pessoal no Facebook, Alceu Moreira aproveita para mostrar seu poder político junto ao órgão de trânsito.
O diretor executivo da Federação Nacional dos Organismos de Inspeção Veicular (Fenive), Daniel Bassoli, salienta que uma decisão administrativa e política não poderia se sobrepor a uma resolução definida em um colegiado técnico. O Contran conta com seis Câmaras Temáticas criadas para estudar e oferecer sugestões e embasamento técnico sobre assuntos específicos nas decisões do Conselho. Cada uma é composta por 18 representantes – titulares e suplentes – de órgãos governamentais e da sociedade civil organizada em assuntos referentes ao trânsito.
A advogada Fernanda Krucinski, assessora jurídica da APOIA – Associação Paranaense dos Organismos de Inspeção Veicular Acreditados – e da ACOI – Associação Catarinense dos Organismos de Inspeção –, explica que pela hierarquia das leis no Brasil, um ato deliberativo – como foi o do diretor do Denatran e que também responde pela presidência do Contran – não poderia suspender uma resolução sem qualquer fundamentação. “A resolução foi elaborada com base nos estudos de segurança do trânsito e com apoio do Ministério Público do Trabalho, que tem como objetivo garantir a segurança do trabalhador que utiliza os veículos. É inadmissível que uma questão política, que visa a apenas uma economia provisória das empresas se sobreponha aos interesses da coletividade”, analisa Fernanda.
Resolução 563
O objetivo da instalação desse tipo de equipamento de segurança nos caminhões com caçamba é o de evitar novos episódios como o ocorrido em novembro de 2017, quando um caminhão com a caçamba levantada derrubou uma passarela na BR-376 em Marialva, no norte do Paraná. A estrutura de mais de 5 metros de altura foi arrancada e arrastada pela caçamba.
Mais recentemente, em janeiro deste ano, o motorista de um caminhão morreu e um pedestre ficou ferido depois que a caçamba colidiu com uma passarela na Avenida Brasil, uma das principais vias no Rio de Janeiro. Também no Rio, um outro acidente que chocou a cidade, em 2014, tirou a vida de cinco pessoas por causa de um caminhão de entulho que estava com a caçamba levantada e arrastou uma passarela na Linha Amarela.
Um levantamento da Fenive realizado entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2018 mostrou que de 3,4 mil caminhões basculantes analisados, 58% foram reprovados. Destes, 8% foi em decorrência de defeitos ou ausência no dispositivo de segurança. Também foram identificados problemas no sistema de freios, faróis, suspensão e outros itens que prejudicam a segurança veicular.
Questões políticas
Recentemente, outras questões de segurança no trânsito também foram adiadas por questões políticas. A inspeção veicular, que deveria se tornar obrigatória até 31 de dezembro de 2019 foi suspensa por tempo indeterminado em abril. E o início da aplicação de multas em pedestres e ciclistas que circularem fora das áreas permitidas – que deveria ter entrado em vigor em abril – foi adiado para 2019. “A falta de segurança no trânsito brasileiro não pode ser um problema banalizado. As estatísticas de mortes e atropelamentos são um grave problema social no país”, salienta Bassoli.
Dados estatísticos da Polícia Rodoviária Federal mostram que, entre 2010 e 2016, o número de acidentes nas estradas brasileiras caiu quase pela metade, mas aumentou o porcentual de acidentes causados por problemas mecânicos nos veículos. “Estamos em maio, um mês que já se tornou símbolo de campanha de prevenção e conscientização a segurança no trânsito. E todas as iniciativas do Denatran são contrárias a isso, mostrando o descaso com a população”, enfatiza.